A (des)necessidade de contratação expressa de capitalização de juros

No Judiciário brasileiro, observa-se o fenômeno de propagação das ações revisionais de contratos bancários. Dentre as matérias mais debatidas, encontram-se a limitação das taxas de juros remuneratórios e sua respectiva capitalização.

Por muito tempo, pleiteou-se a redução judicial das taxas de juros a 12% ao ano, sob diversos argumentos, inclusive com fundamento no §3º do artigo 192 da Constituição Federal. Ocorre que este parágrafo foi revogado e, não bastasse isso, desde a aprovação da súmula nº 596 pelo Supremo Tribunal Federal, prevalece o entendimento de que as instituições financeiras não se sujeitam à limitação de juros remuneratórios prevista na Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33), qual seja, 12% ao ano. Atualmente, os bancos celebram contratos com as taxas de juros dentro da média de mercado, salvo eventuais abusos.

Afora as discussões relativas à redução das taxas de juros, a partir da previsão do artigo 5º da Medida Provisória nº 1.963-17 e suas várias reedições, admite-se, desde março de 2000, a capitalização de juros remuneratórios expressamente pactuada nos contratos celebrados com periodicidade inferior a um ano por instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional.

Com base nesta medida provisória, as intituições financeiras passaram a sustentar em juízo que a simples previsão de cobrança das taxas de juros remuneratórios mensais e anuais no contrato era suficiente para determinar o ajuste expresso de capitalização de juros, ganhando espaço tal argumentação perante as cortes brasileiras.

Vale dizer que esse entendimento jurisprudencial nega a efetividade ao direito básico de informação aos consumidores, pois é inadimissível entender que a parte hipossuficiente tem pleno conhecimento dos termos contratuais e seus desdobramentos.

No julgamento do recurso especial 1.302.738 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), datado de 3 de maio de 2012, a ministra Nancy Andrighi foi patente ao destacar que a mera divergência no contrato entre a taxa anual e a taxa de juros mensal multiplicada por doze não é suficiente para a caracterização de convenção expressa da capitalização de juros. Com base no princípio da boa fé objetiva e no dever de informação, preponderante nas relações de consumo, a ministra foi escorreita ao reconhecer o desconhecimento do consumidor quanto à capitalização de juros.

A partir daí, poderiam as instituições financeiras adequar seus contratos de adesão ao posicionamento do STJ, possibilitando ao consumidor a efetiva contratação da capitalização de juros, evitando reclamações judiciais nesse sentido. Desta forma, finalmente os direitos do consumidor se concretizariam em matéria bancária, uma vez que a menção no contrato das taxa de juros cobradas não é – e nunca foi – suficientemente clara aos olhos dos consumidores.

Exigir da população a consciência prévia das consequências da capitalização de juros em um contrato, sem que sequer esteja mencionado no instrumento – havendo até mesmo divergência entre contadores sobre a ocorrência de capitalização em determinados contratos –, seria, no mínumo, esperar uma compreensão técnica da parte hipossuficiente que falta até mesmo a alguns operadores do Direito.

A conquista dos direitos do consumidor, consolidada com a aprovação do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), não pode ficar à merce de interpretações jurisprudenciais que, na falta de adequada normativa sobre o tema, fujam da realidade daqueles que deveriam ser protegidos e preservados na relação contratual, com fundamentos irrazoáveis quanto ao grau de informação e esclarecimento da maioria da sociedade.

A recente mudança jurisprudencial seria como uma vitória dos consumidores face ao domínio econômico das instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional que, aproveitando-se do desconhecimento técnico dos contratantes, acumulam lucros irreais e infindáveis créditos a receber.

Porém, tal avanço não impediu um recente retrocesso. No julgamento do recurso especial 973827, em 27 de junho de 2012, referente a recursos repetitivos sobre o tema, a maioria dos ministros entendeu que “a previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada”. O acórdão ainda não foi publicado, mas disso se entende que a cláusula de capitalização dos juros não precisa ser expressa no instrumentocontratural, bastando a mera referência às taxas cobradas, perdendo o consumidor o respaldo de toda a construção anterior.

Assim, pobres mortais, só nos resta pagar o último boleto e esperar que um dia as decisões judiciais verdadeiramente se aproximem da real condição do povo brasileiro.

Artigo da advogada sócia da Siquinel Advocacia, Thainá da Silva Cavalcanti, publicado no jornal Gazeta do Povo em 13/07/2012. Ver aqui.